"A estrada chegou com o Exército. Os índios tentavam flechar o avião. Havia
um avião que sobrevoava as aldeias e jogava algo que esquentava as pessoas.
Elas morriam logo." A declaração, feita no ano passado pelo índio Tomás
Tamerré durante visita da Comissão Nacional da Verdade à aldeia dos
waimiri-atroari, sugere algum tipo de ataque aéreo à etnia durante a
construção da BR-174, que liga Manaus(AM) a Boa Vista (RR), iniciada em
1972.
Outros relatos sobre um pó que era arremessado de aviões e "queimava por
dentro", segundo os índios, foram colhidos pelos integrantes da comissão.
"Para os índios, o que aconteceu foi uma guerra. E os vitoriosos continuam no
poder", disse o indigenista José Porfírio de Carvalho, ex-funcionário da Funai,
que ainda trabalha com a etnia. Segundo ele, ao fim da construção da rodovia,
em 1981, muitas crianças waimiri-atroari ficaram abandonadas na floresta.
"Encontrei na mata 17 crianças isoladas, sem adultos por perto", disse o
indigenista durante visita da comissão às aldeias em 2013.
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Em entrevista à Folha em 2012, Carvalho revelou que no começo dos anos
1970, diante dos atritos com os índios, pediu ao Exército que parasse a
construção da estrada. "Fomos procurar o general Gentil Nogueira Paes [do
Comando Militar da Amazônia, morto em 2010]. Pedimos para parar a
estrada. Ele disse: 'Vou construir, mesmo que tenha que matar esses índios
assassinos. Dei ordem para meter fogo'", afirmou. O Exército não comentou o
caso.
Atualmente, há 1.689 waimiri-atroari vivendo em 30 aldeias próximas à BR-174. Cada um deles, segundo Carvalho, custa R$ 350 por mês à Eletronorte.
Os pagamentos são uma compensação pela construção da usina de Balbina nos anos 1980, que inundou grande parte da reserva da etnia. No fim de 2013, a
Justiça Federal suspendeu a construção de uma linha de transmissão de energia entre Manaus a Boa Vista porque a obra passaria pela reserva dos waimiri-atroari. A Justiça entendeu que, como no episódio da BR-174, não houve consulta prévia aos índios.