Cientistas sequenciam o mais antigo genoma indígena do continente e explicam como o Novo Mundo foi povoado

Índios americanos: população seria descendente de uma onda migratória na última Era do Gelo (Hector Mata/AFP)
Cerca de 13 mil anos atrás, uma criança do sexo masculino morreu no que hoje é o Estado americano de Montana. A comunidade, de luto, tingiu seu corpo com ocre vermelho e o sepultou com artefatos que, provavelmente, estiveram em sua família por gerações. Após passar milênios intocado, o corpo do menino foi descoberto em um canteiro de obras em 1968 e até hoje é o mais antigo esqueleto encontrado no continente.
Na última quarta-feira, cientistas anunciaram que esses restos mortais ajudaram a liquidar uma longa discussão sobre a linhagem dos índios americanos e lançaram luz sobre a colonização do continente, o último a ser povoado pelos humanos modernos. Depois de decodificar o genoma do menino, a partir de ossos do crânio e de uma das costelas, uma equipe internacional de especialistas afirmou que os índios americanos modernos são descendentes diretos do primeiro povo que se estabeleceu no continente, vindo da Ásia, há 15.000 anos, e não da Europa. O estudo foi publicado na revista Nature nesta quarta-feira.
Segundo os pesquisadores, a família da criança é "ancestral dos índios americanos atuais". O menino era membro da chamada cultura Clóvis, que viveu na América do Norte entre 13.000 e 12.600 anos atrás e é conhecida por suas características machadinhas de mão, espadas e ferramentas de ossos e marfim.
Os cientistas compararam o material genético da criança com o de 143 populações de todo mundo. As semelhanças eram maiores com as de índios americanos do que de qualquer outro povo e, curiosamente, sobretudo com os de tribos das américas do Sul e Central, mais do que com as do extremo Norte.
Segundo os pesquisadores, a explicação mais provável é de os índios americanos sejam descendentes de uma onda migratória que atravessou o Estreito de Bering, na Sibéria. No fim da última Era do Gelo — há mais de 15.000 anos —, o Estreito permaneceu congelado e serviu como ponte entre os continentes asiático e americano. Essa população teria se dividido em duas: uma ficou no norte e outra veio para o sul. Os do extremo norte provavelmente acasalaram com povos que vieram da Ásia mais tarde, o que explicaria a diferença genética.
"Não temos informação genética de todas as tribos, mas poderíamos dizer, em uma estimativa grosseira, que cerca de 80% delas se originaram deste grupo. É quase como um elo perdido", disse o coautor do estudo, Eske Willerslev, do Museu de História Natural da Dinamarca.
O estudo enterra a teoria de que os índios americanos derivaram de uma migração transatlântica de europeus durante a Idade do Gelo, quando vastos mantos de gelo cobriram parte da América do Norte, norte da Europa e da Ásia.
Fonte: VEJA