Como índio, tenho muita dificuldade em entender alguns atos da sociedade “civilizada”. No Brasil, além da excessiva carga tributária, os privilégios - que têm o apelido de prerrogativas -, são algo que me deixa bastante chateado. Quando tenho que estacionar meu veículo e algum folgado, que deveria ter o mesmo direito meu, ou seja, uma vaga para ter fluxo à via pública resolve, ao seu bel prazer, pintar em amarelo toda a frente do seu imóvel, privatizar aquele espaço com o famoso “sujeito a guincho”, ou ainda, quando essas “vagas” estão em frente aos órgãos “públicos”.
Como advogado, meu dia a dia é nos fóruns da Justiça Federal, do Trabalho e especialmente na estadual. Nesses locais é muito difícil estacionar, sobretudo, quando chove, já que as vias públicas nesses locais, estão todas reservadas. Não consigo conceber a legalidade desse procedimento, pois, não somos todos iguais perante a lei? Art. 5º da CF; e o advogado não é indispensável à administração da Justiça? Artigo 133 CF. No entanto, não consta vagas para os advogados (com a palavra a OAB de Dourados), e, por que outros não possuem a mesma regalia? Ou seja, por que não existem locais regulamentados para o estacionamento de clientes da padaria, do açougue ou da loja de roupas (e não apenas das farmácias), ou, ainda, por que não destinar vagas para os médicos, na frente dos Hospitais?
No meu modesto entendimento há aí ofensa aos artigos 6º e 7º do Estatuto da Ordem, pois não há hierarquia entre os advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo ser todos tratados com igual dignidade. Há também ofensa ao art. 7º, inciso VI, da Lei nº 8.906, de 1994, segundo a qual o advogado pode ingressar livremente em qualquer local onde funcione repartição judicial ou outro serviço público onde deva praticar ou colher prova ou informação útil ao exercício de sua profissão, dentro do expediente ou fora dele.
Esta prática tem tomado conta dos locais “públicos” e de forma indiscriminada, acarretando enormes prejuízos à regulamentação de trânsito, pois a “privatização” da via pública, em vez de garantir o direito de todos, privilegia alguns poucos, evidenciando a postura histórica de “favorecimento aos amigos do rei”, o que nos obriga a análise da questão principal aqui levantada: Como determinar os casos de regulamentação de estacionamento na via pública? Constantemente os colegas advogados tem seus carros multados e as vezes até apreendidos, já que os únicos locais que restam são todos precários, sujeitos às multas por mal estacionamento.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reviu sua posição e tem declarado, ultimamente, a inconstitucionalidade de leis municipais que desatendam a orientação suprema. Por isso mesmo, o Ministério Público do Estado de São Paulo tem ingressado reiteradamente com ações civis públicas postulando: a) a anulação da lei municipal, por ter, indevidamente, privatizado bens públicos de uso comum, impedindo o acesso do povo a eles; b) a anulação de eventual termo de outorga de concessão administrativa desses bens públicos em favor das respectivas associações de moradores: c) a responsabilização, por improbidade administrativa, dos elaboradores de tais diplomas legais (V. REsp 947596/SP, Min.Eliana Calmon, em 25.08.2009).
Eu particularmente acredito que em muitos os casos a medida é ilegal e imoral, pois o órgão está privatizando o espaço que não lhe pertence. “O órgão privatiza espaço que não lhe pertence, pois as ruas no entorno do prédio são de uso comum do cidadão e não espaço particular deste poder, seja ele executivo, legislativo ou o judiciário. E, a mim me passa a impressão de uso abusivo de autoridade, o que é inadmissível. Estamos diante de dois pesos e duas medidas.
O assunto comporta, naturalmente, uma análise mais acurada, mas o que se pretende é abrir espaço para discussão do tema. Não tenho a intenção de atacar esta ou aquela regulamentação de estacionamento, mas à vista dos exemplos citados, penso que deve a autoridade de trânsito utilizar como parâmetro primordial para a criação de vagas privativas de estacionamento o INTERESSE PÚBLICO que respeite o cidadão.
Índio, residente na Aldeia Jaguapirú, Advogado OAB-MS 10.689, Jornalista SRTE 773MS. e-mail: wilsomatosdasilva@hotmail.com